Infecções do trato urinário – Etiologia e tratamento

Infecções do trato urinário representam uma larga variedade de síndromes clínicas que incluem uretrite, cistite, prostatite e pielonefrite.

A infecção do trato urinário (UTI, do inglês urinary tract infection) é definida como a presença de micro-organismos na urina que não pode explicada por contaminação. Os micro-organismos têm o potencial de invadir o tecido do trato urinário e estruturas adjacentes. Infecções do trato inferior incluem cistite (bexiga), uretrite (uretra), prostatite (próstata) e epididimite. Infecções do trato superior envolvem os rins e são denominadas pielonefrite.

UTIs não complicadas não estão associadas com anormalidades estruturais ou neurológicas que podem interferir com o fluxo normal da urina ou com o mecanismo de micção. UTIs complicadas são resultados de lesões pré-dispostas do trato urinário como anormalidades congênitas, ou distorções do trato urinário, pedras, cateteres permanentes, hipertrofia prostática, obstrução ou déficit neurológico que interfere com o fluxo normal de urina e defesas do trato urinário.

Infecções recorrentes, duas ou mais UTIs ocorrendo dentro de três a seis meses ou mais dentro de um ano, são caracterizadas como episódios sintomáticos múltiplos com períodos assintomáticos ocorrendo entre esses episódios. Essas infecções ocorrem devido à reinfecção ou à recaída. Reinfecções são provocadas por diferentes micro-organismos e representam a maioria das UTIs recorrentes. As recaídas representam o desenvolvimento de infecções repetidas provocadas pelo mesmo micro-organismo inicial.

Qual é a etiologia das infecções do trato urinário?

As causas mais comuns das UTIs não complicadas são as E. coli, representando mais de 80-90% das infecções adquiridas na comunidade (fora do hospital). Micro-organismos causadores adicionais são Staphylococcus saprophyticus (coagulase-negativo), Klebsiella pneumoniae, Proteus spp., Pseudomonas aeruginosa e Enterococcus spp.

Patógenos urinários nas infecções complicadas ou nosocomiais (dentro do hospital) podem incluir E. coli, a qual representa menos do que 50% dessas infecções, Proteus spp., K. peneumoniae, Enterobacter spp., P. aeruginosa, staphylococci e Enterococcus. Enterococcus representa o segundo micro-organismo mais frequentemente isolado em pacientes hospitalizados.

A maioria das UTIs são provocadas por um único micro-organismo, entretanto, em pacientes com pedras nos rins, cateteres permanentes ou abcessos renais crônicos, múltiplos micro-organismos podem ser isolados.

Quais as apresentações clínicas das infecções do trato urinário?

Sintomas típicos das UTIs inferiores e superiores são:

Sinais, sintomas e testes laboratoriais para confirmação de infecção urinária.
Tabela 1.

Os sintomas sozinhos não são confiáveis para o diagnóstico de UTIs A chave para o diagnóstico de UTIs é a habilidade de demonstrar números significativos de micro-organismos presentes numa amostra de urina para distinguir contaminação de uma infecção. Pacientes idosos frequentemente não experimentam sintomas específicos, mas eles apresentam status mental alterado, mudança no hábito alimentar ou sintomas gastrointestinais.

A urinálise padrão deve ser obtida na avaliação inicial do paciente. Exame microscópico da urina deve ser feito pela preparação da coloração de Gram em urina centrifugada ou mesmo não centrifugada. A presença de pelo menos um micro-organismo por campo na objetiva de imersão em amostra não centrifugada coletada devidamente, se correlaciona com mais de 100.000 unidades formadoras de colônia (UFC) /mL (105 UFC/mL)(> 108 UFC/L) de urina. Os critérios para definir bacteriúria significante são:

critérios diagnósticos para bacteriúria significante.
Tabela 2.

A presença de piúria (presença de pus na urina) ( > 10 células brancas do sangue/mm³ [10×106/L]) em um paciente sintomático se correlaciona com bacteriúria significante.

O teste de nitrito pode ser usado para detectar a presença na urina de bactérias redutoras de nitrato (por exemplo, coli). O teste da esterase leucocitária é um teste rápido de fita para detectar piúria.

O teste mais confiável para diagnóstico de UTIs é a cultura de urina quantitativa. Pacientes com infecção têm usualmente mais de 105 bactérias/mL [108/L] de urina, embora até um terço das mulheres com infecção sintomática tenha menos de 105 bactérias/mL [108/L].

 

Qual o tratamento das infecções do trato urinário?

Os objetivos do tratamento de UTIs são erradicar os micro-organismos invasores, evitar ou tratar consequências sistêmicas da infecção e prevenir a recorrência da infecção.

O manejo de paciente com UTI inclui avaliação inicial, seleção de um agente antibacteriano, a duração da terapia e avaliação de acompanhamento.

A seleção inicial do agente antimicrobiano para o tratamento de UTI é baseado primariamente na severidade dos sinais e sintomas apresentados, sítio de infecção, e se a infecção é considerada complicada ou não complicada.

Qual o tratamento farmacológico das infecções do trato urinário?

A habilidade de erradicar bactérias do trato urinário é diretamente relacionado à sensibilidade do micro-organismo e a concentração do agente antimicrobiano alcançada na urina.

O manejo terapêutico de UTIs é melhor realizado pela categorização do tipo de infecção: cistite aguda não complicada, abacterirúria sintomática, bacteriúria assintomática, UTIs complicadas, infecções recorrentes ou prostatite.

Quais as causas da cistite aguda não complicada e esquema de tratamento?

Essas infecções são causadas predominantemente por coli e a terapia antimicrobiana deve ser direcionada inicialmente contra esse micro-organismo. Devido ao organismo causador e sua sensibilidade serem geralmente conhecidas, é recomendada uma abordagem custo-benefício para o manejo, o qual inclui urinálise e início da teria empírica mesmo sem a urocultura (ver figura 1).

A terapia de curto prazo (3 dias de terapia) com sulfametoxazol + trimetoprima ou quinolonas (ex.: ciprofloxacino ou levofloxacino, mas não moxifloxcacino) é superior a uma terapia de dose única para infecções não complicadas. Quinolonas deve ser reservadas para pacientes com suspeita ou possível pielonefrite devido o risco de danos colaterais. Ao invés de um curso de 3 dias de sulfametoxazol + trimetoprima, um curso de nitrofurantoína de 5 dias, ou uma dose única de fosfomicina deve ser considerada como terapia de primeira linha. Em áreas onde há mais de 20% de resistência de coli para sulfametoxazol + trimetoprima, deve ser utilizado nitrofurantoína ou fosfomicina. Amoxicilina ou ampicilina não são recomendadas devido à alta incidência de resistência de E. coli. A urocultura não é necessária para pacientes que respondem.

Fluxograma de infecção urinária em mulheres.
Figura 1: Manejo das infecções urinárias em mulheres.

Quais são as infecções complicadas que acometem o trato urinário?

PIELONEFRITE AGUDA

A presença de febre alta ( > 38,8°C) e dor nos flancos devem ser tratadas como pielonefrite aguda, e o manejo agressivo é justificado. Pacientes gravemente doentes com pielonefrite devem ser hospitalizados e administrados inicialmente fármacos por via intravascular. Casos mais leves podem ser manejados com antibióticos orais em contexto ambulatorial.

No momento da apresentação, uma coloração de Gram da urina deve ser realizada, junto com urinálise, cultura e sensibilidades.

Em pacientes com sintomas médios a moderados para os quais a terapia oral é considerada, um agente eficaz deve ser administrado por 7-14 dias dependendo do agente usado. Quinolonas (ciprofloxacino ou levofloxacino) oralmente por 7 a 10 dias são as escolhas de primeira linha para pielonefrite média a moderada. Outras opções incluem sulfametoxazol + trimetoprima por 14 dias. Se a coloração de Gram revelar cocos Gram-positivos, Streptococcus faecalis deve ser considerado e o tratamento contra este patógeno (ampicilina).

No paciente seriamente doente, a terapia inicial tradicional é uma quinolona por via intravascular, um aminoglicosídeo com ou sem ampicilina, ou uma cefalosporina de amplo espectro com ou sem aminoglicosídeo.

Se o paciente foi hospitalizado nos últimos 6 meses, tem um cateter urinário, ou está em uma casa de repouso, a possibilidade de infecção por aeruginosa e Enterococcus, bem como organismos multirresistentes devem ser considerados. Nesses quadros, é recomendado ceftazedima, ácido clavulâmico-ticarcilina, piperacilinam aztreonam, meropenem ou imipenem em combinação com um aminoglicosídeo. Se o paciente responde à terapia combinada inicial, o aminoglicosídeo pode ser descontinuado após 3 dias.

O acompanhamento com cultura de urina deve ser feito 2 semanas após o término da terapia para garantir a resposta satisfatória e detectar possível recaída.

INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO EM HOMENS

A visão convencional é que a terapia em homens requer um tratamento prolongado (ver figura 2).

A cultura de urina deve ser obtida antes do tratamento devido à causa de infecções em homens não ser previsível como em mulheres.

Se bactérias gram-negativas são presumidas, sulfametoxazol + trimetoprima ou quinolonas são o agentes preferenciais. A terapia inicial é por 14 dias. Para infecções recorrentes em homens, a taxa de cura são maiores com um regime de tratamento de 6 semanas com sulfametoxazol + trimetoprima.

fluxograma das infecções urinárias em homens
Figura 2: Manejo das infecções urinárias em homens.

INFECÇÕES RECORRENTES

Episódios recorrentes de UTIs (reinfecções e recaídas) contabilizam uma porção significativa de todas as UTIs. Estes pacientes são mais comumente mulheres e podem ser divididas em dois grupos: aquelas com menos de dois ou três episódios por ano e aqueles que desenvolvem infecções mais frequentes.

Pacientes com infecções não frequentes (ex.: menos do que três infecções por ano), cada episódio deve ser tratado como uma infecção ocorrendo separadamente. Terapia de curto prazo deve ser usada em pacientes mulheres sintomáticas com infecção do trato inferior.

Enfermas que tiveram infecções sintomáticas frequentes, a terapia antimicrobiana profilática a longo prazo pode ser instituída. A terapia é administrada geralmente por 6 meses, com acompanhamento de cultura de urina periodicamente (ver tabela 4).

Mulheres que tiveram reinfecções sintomáticas em associação com atividade sexual, urinar após a relação sexual pode ajudar a prevenir a infecção. Também, a autoadministração de terapia profilática de dose única com sulfametoxazol + trimetoprima tomada após a relação sexual, reduz significativamente a incidência de infecções recorrentes nessas pacientes.

Essas que recaem após terapia de curta duração devem receber terapia num curso de 2 semanas. Em pacientes que recaem após 2 semanas, a terapia deve continuar por 2 a 4 semanas. Se a recaída ocorrer após 6 semanas de tratamento, um exame urológico deve ser feito, e a terapia por 6 meses ou mais pode ser considerada.

Resumo dos diferentes tratamentos de infecções urinárias
Tabela 4.

Quais são as condições especiais de infecção urinária?

INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO NA GRAVIDEZ

Em pacientes com bacteriúria significativa, o tratamento sintomático ou assintomático é recomendado para evitar possíveis complicações durante a gravidez. A terapia deve consistem em um agente com potencial de efeito adverso relativamente baixo (cefalexina, amoxicilina, ou amoxicilina/clavulanato) administrado por 7 dias.

As tetraciclinas devem ser evitadas devido aos efeitos teratogênicos e as sulfonamidas não deve ser administrado durante o terceiro trimestre devido ao possível desenvolvimento de kernicterus e hiperbilirrubinemia. Além disso, as quinolonas não devem ser administradas devido ao seu potencial em inibir o desenvolvimento cartilaginoso e ósseo do recém-nascido.

 

PACIENTES CATETERIZADOS

Quando ocorre bacteriúria no paciente cateterizado assintomático de curta duração (<30 dias), o uso de antibioticoterapia sistêmica deve ser suspenso e o cateter removido o mais rápido possível. Se o paciente se tornar sintomático, o cateter deve ser novamente removido e o tratamento descrito para infecções complicadas deve ser iniciado.

O uso de antibióticos sistêmicos profiláticos em pacientes com cateterismo de curta duração reduz a incidência de infecção durante os primeiros 4 a 7 dias. Em cateterismo de longa duração pacientes, no entanto, os antibióticos apenas adiam o desenvolvimento da bacteriúria e levar ao surgimento de organismos resistentes.

Esquemas empíricos de tratamento das infecções urinárias.
Tabela 5.
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Referências bibliográficas

Well, B. G.; DiPiro, J. T.; Schwinghammer, T. L.; DiPiro, C. V. Pharmacotherapy handbook. Ed. Mc Graw Hill Education. 9th edition, 2015 (cap. 50).

Prof. Sanderson Araújo

Editor do blog.
Farmacêutico pela Universidade Federal do Pará.
Mestrado em Neurociência pela Universidade Federal do Pará.
Trabalha em um Instituto de Pesquisa na amazônia há 10 anos.
Vídeoaulas no Youtube: Mente e Saúde – Fisiologia e Farmacologia

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